O cartunista Henfil foi convidado para dar um curso de criatividade no SESC – Pompéia, São Paulo. E, pelo que ele conta aqui, as aulas estão sendo muito criativas. Cheias de boas idéias para escolas que só ensinam a repetição e a incompetência.
Não é bem um curso. Mas está sendo uma experiência interessantíssima. A gente fica juntos quatro horas cada Sábado, fala-se muito, desenha-se muito pouco. A maior parte dos alunos vem de cursos como Comunicação, Belas-Artes, Arquitetura. Não há nenhum ensinamento técnico. O que a gente quer é o desenvolvimento da capacidade de criar. Respeito pela originalidade de cada um. O despertar da potencialidade das pessoas. É quase um trabalho psicanalítico, uma espécie de terapia de grupo.
O tempo todo eu vou dando depoimentos pessoais sobre como é o processo de criar. É aí que os mitos caem. Por exemplo: que a criatividade é uma genialidade esotérica, uma coisa que de repente brota nas pessoas, um espírito santo que baixa, em condições ultra especiais. Eu então mostro através de minha experiência – e de experiências que eu pude observar em outras pessoas que criam – que a criatividade é uma questão de concentração. Que sem concentração ela não acontece e que esta concentração às vezes é dolorosa, demora muito tempo e dá um trabalho danado. E o resultado dela é em geral o isolamento da pessoa que tem sucesso, que é isso o que significa ser exceção.
O importante, então, foi logo de saída desmistificar, desarmar o espírito deles. O pior é que na aula inaugural foi lá a TV Globo, a TV Cultura, com aquela parafernália toda. Isso piorou muito a situação para eles. Levou mais de duas aulas para que eles relaxassem em relação a isso. Vissem que eu não era o professor, o sábio. Outro aspecto é que a gente ali não ia desenhar, raramente se desenha. Então, não tem concorrência, não há chance deles se colocarem assim: ali está um professor famoso que vai me ensinar a ter sucesso, é eu e ele, os outros são concorrentes. Nada disso. Nós levamos três aulas para que todo mundo ficasse numa boa, numa igual, sem concorrência.
Foi aí que eu intuí para eles que há duas formas de você criar. Uma delas é que você só cria com um cachorro preto atrás. O que significa o cachorro preto? É a urgência, é a necessidade concreta, o prazo estourando. É aquele negócio assim: você está doente, com o joelho arrebentado, mas vem um cachorro preto, um doberman atrás de você. E aí você corre e, se preciso, até pula na água sem saber nadar. Se for para subir num poste, você sobe. A urgência, a necessidade, é a mãe da criação. Isso tem a ver com uma frase do técnico de futebol Gentil Cardoso aos seus jogadores: “eu quero que vocês vão na bola como num prato de comida”. A necessidade é um negócio essencial. Eu fiz alguns exercícios em relação a isso. Eu pagava, de repente, e dizia: vamos desenhar agora, tem dois minutos para acabar. Então as coisas saíam e eles até se assustavam. Mas claro que saíam: eu soltava o cachorro preto.